Movimento Popular Urbano e Rural contra o avanço do Capital.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

PETIÇÃO PARA ÓRGÃOS PÚBLICOS INFORMANDO DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA NO QUILOMBO DE SÃO FRANCISCO DO PARAGUAÇU
Ilmo. Sr. Procurador do Ministério Público Federal
Ilmo. Sr. Procurador do Ministerio Publico Estadual
Ilmo. Sr. Superintendente do Departamento da Polícia Federal
Ilmo. Sr. Ouvidor Agrário Nacional
Exma. Sra. Secretária Chefe da Casa Civil do Governo da Bahia
Exma. Sra. Secretária de Promoção da Igualdade do Governo da Bahia
Ilmo. Sr. Editor Chefe do Jornal ATARDE

C/ CÓPIA PARA A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS

C/ CÓPIA PARA A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

Fazendeiro armado ameaça quilombolas de São Francisco do Paraguaçu

Nesse momento, às vésperas de recesso de Natal e Ano Novo, e ainda sob o impacto emocional da perda de sua grande liderança – Sr. Altino da Cruz -, a comunidade de São Francisco do Paraguaçu encontra-se novamente atemorizada pelas ações violentas e intimidatórias de fazendeiros da região. Segundo relato dos moradores, no dia de ontem, 21 de dezembro, o fazendeiro Carlos Diniz circulou portando armas em punho pela comunidade com um veículo de cor escura e vidros em película escura, acompanhado de dois homens. O referido fazendeiro procurou insistentemente por Crispim dos Santos, conhecido por ‘Rabicó’, também liderança da luta quilombola, e desrespeitou sua esposa quando a mesma informou que ele não estava em casa, e sim trabalhando. Segundo testemunhas, Carlos Diniz estava com algemas e arma em punho, dizendo que tinha “ordens de Brasília para levar Rabicó”.

Para se protegerem, as pessoas se reuniram conjuntamente em Praça Pública e esperaram a chegada da polícia de Cachoeira-BA, que só foi aparecer algumas horas depois.

O temor de que alguma tragédia ou crime venha acontecer nesse período é grande, já que existem vários precedentes de pistolagem e ameaça contra lideranças quilombolas na região. O clima se encontra mais tenso após a morte do Sr. Altino, que teve um ataque cardíaco após mais uma decisão judicial autorizando a demolição de suas roças, e isso gerou bastante indignação entre todos. Após um ato público de protesto contra a morte do Sr. Altino, vieram as gravíssimas ameaças do Sr. Carlos Diniz.

A comunidade encontra-se desprotegida e teme que a mesma tensão social e serie de violências institucionais e não institucionais que mataram Seu Altino, venham a provocar outras vítimas e tragédias. A fim de alertar as autoridades públicas e garantir a segurança das famílias que moram na comunidade de São Francisco do Paraguaçu, bem como trazer um pouco mais de tranqüilidade para muitas pessoas entre crianças e idosos que ali moram, solicitamos urgente reforço policial e ronda permanente na comunidade nesse período de recesso de fim de ano.

O conflito

A Comunidade de São Francisco do Paraguaçu, composta por mais de 300 famílias que há mais de três séculos habitam a região do Recôncavo Baiano, tem vivenciado violentos conflitos territoriais desde que começou a lutar pela regularização do território como área quilombola. Há 03 anos ininterruptos, fazendeiros ligados a troncos familiares oligárquicos do município de Cachoeira, como a família Santana e a família Diniz, vem intimidando lideranças quilombolas através do ingresso de ações judiciais, representações criminais permeadas de um denuncismo vazio, atuação clandestina de policiais militares e capatazes e conluio fraudulento com a Rede Globo de Televisão para exibição de uma reportagem caluniosa e extremamente ofensiva contra os quilombolas de São Francisco.

Nesse processo, moradores nascidos e criados na localidade, tirando da terra e do mangue todas as suas formas de sustento, com 60, 70 , 80 anos de idade, estão sendo agredidos e minados cotidianamente com ordens liminares de reintegração, destruição de roçados, périplos por delegacias de polícia. Muitos órgãos estatais, principalmente do judiciário, têm acolhido os pleitos de fazendeiros, que andam forjando abaixo-assinados, unilaterais certidões de queixa policial e contratos de arrendamento simulado para reivindicar expulsão dos moradores e das áreas que tradicionalmente ocupam.

Com raras exceções, a maioria dos juízes e autoridades públicas competentes tem imensa resistência em compreender ou tentar compreender os direitos em questão. Uma tradição conservadora, elitista e pragmática levam muitos a peremptoriamente adotar a versão sustentada pelos fazendeiros. A apresentação de um simples documento cartorial (uma escritura publica, muitas vezes fraudada) vale mais do que a ocupação de um espaço por toda uma comunidade, do que o respeito e atitude cautelosa com a vida de senhores e senhoras que exibem as mãos calejadas de uma vida dura, passada no sol a pino, no manejo da enxada, da cata de mariscos; pouco valem os preceitos constitucionais que determinam a função social da posse/propriedade, o direito ao trabalho, o direito dos quilombos às áreas que tradicionalmente ocupam, o uso público de áreas da União, a prioridade de uso em áreas de reserva extrativista para populações extrativistas. Enquanto a justiça tem sido, com algumas exceções, supersônica na ordem de demolição de roças dos quilombolas que materializam seu próprio modo de vida, tecidas por anos a fio – e de mantém há 01 ano uma ordem de paralisação do procedimento administrativo de demarcação pelo INCRA, continuam impunes os crimes ambientais, as cercas nos mangues, a contratação ilegal de policiais e jagunços (apurada em inquérito na Polícia Federal) para espalhar terror na comunidade, a coação testemunhada de moradores para assinar declarações e abaixo-assinados com o dizer “não somos quilombolas”, a suspeita de uso indevido de cerca de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) de recursos públicos angariados pela família Diniz sob o pretexto de efetuar proteção ambiental e estimular o desenvolvimento sustentável da comunidade tradicional local, suspeitas que levaram ao cancelamento de Convênios celebrados entre a ONG AAMEN – Associação dos Amigos do Engenho, do fazendeiro Carlos Diniz, e a SEMARH, e à suspensão do Convênio celebrado entre aquela ONG e o Ministério do Meio Ambiente.

Pactuar com o direito de fazendeiros sobre uma comunidade é uma vergonha, é no mínimo inverter a primazia do público sobre o privado, dos direitos coletivos fundamentais sobre “direitos” ou pretensões individuais possessivas. São muitas irregularidades que se perpetuam e vêm sendo constantemente denunciadas. O conflito tem se acirrado e é cada vez mais perigoso para aqueles que o vivenciam com o próprio corpo. Provocamos a todas as autoridades públicas a tomar medidas urgentes a fim de garantir a segurança alimentar, a moradia, integridade física e psicológica dos quilombolas e a imediata retomada do processo, já avançado, de reconhecimento formal e definitivo do território remanescente do quilombo de São Francisco do Paraguaçu.

Pedimos que os grupos e entidades solidárias encaminhem estas denúncias e cobrem ação dos órgãos competentes.

Atenciosamente

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